A Familia Brasileira

DE SÃO PAULO

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Estudar a família brasileira e suas eventuais variações de estrutura e organização exige cautela. A antropóloga Cynthia A. Sarti em seu artigo para "A família Contemporânea Em Debate" sugere elementos que podem compor esse terreno movediço. Segundo ela, a exposição do indivíduo às possíveis transformações dos panoramas social, político, cultural, econômico e biológico alteram os códigos e valores utilizados na interpretação da realidade. Como no mundo contemporâneo a velocidade dessas mudanças é mais expressiva, para uma leitura segura de dados referentes ao tema, tais considerações devem ser potencializadas.

Pesquisa nacional realizada pelo Datafolha entre os dias 12 e 18 de fevereiro investiga a influência desses aspectos sobre o conceito da família brasileira e aponta tendências de conduta e comportamento diante de determinadas situações. Por meio das variáveis incluídas no levantamento, também é possível se chegar a um cenário dos níveis de relacionamento em diversos segmentos. As estratificações procuram apontar contrastes de opinião com base nas experiências de cada entrevistado, classificando-os segundo suas condições atuais e localizando-os no tempo pela década na qual viveram sua juventude. As conjunturas correspondentes às épocas propostas nos cruzamentos auxiliam a compreensão de algumas conclusões.

O primeiro resultado que salta aos olhos já justifica a realização da pesquisa: a família, atualmente, é uma das instituições sociais mais valorizadas pelos brasileiros. Numa escala de grau de importância, a maioria a remete à categoria do extremo positivo. Mas, o interessante é discriminar sobre quais bases essa instituição se sustenta e o conceito que a mantém. Os dogmas seriam os mesmos de 10 ou 20 anos atrás? Apesar de detectar algumas mudanças, o estudo traz de volta velhas questões que ultimamente vinham sendo tratadas, senão como definitivamente resolvidas, pelo menos como ultrapassadas.

O melhor exemplo é o papel da mulher dentro da família. A constituição básica da família brasileira ainda é nuclear (marido, esposa e filhos), mas esse tipo de estrutura vem perdendo espaço para o esquema matrifocal (percebe-se entre os mais jovens uma elevada taxa de entrevistados que moram apenas com suas mães). Considerando-se tal constatação, é fácil identificar o motivo do crescente prestígio da figura materna e a consequente queda na importância atribuída ao pai. No decorrer da análise é possível observar reflexos do panorama gerado por esses dados: entre os integrantes das novas gerações, a valorização dos "laços de sangue" e do casamento ficam abaixo da média; o pai é a pessoa da família com quem menos se conversa; as jovens de hoje procuram muito mais maridos fiéis e compreensivos do que trabalhadores e arrimos.

Esses resultados, que podem corroborar as conquistas femininas das últimas décadas, acabam camuflando a resistência expressiva da sociedade em aceitá-las. A grande maioria dos brasileiros prefere que, diante de uma situação financeira favorável, as mulheres fiquem em casa, cuidando dos filhos a que elas saiam para trabalhar fora. Quanto aos códigos de conduta, a cobrança focalizada na mulher é muito mais rígida do que a dirigida aos homens (aceita-se muito mais o pai trair a mãe do que o contrário). A mesma tendência ocorre quando o assunto é a independência feminina. O percentual dos que a aprovam é duas vezes menor daquele que se observada em relação ao homem. Na prática, porém, essa opinião não se estabelece: as mulheres acabam saindo da casa dos pais mais cedo do que os homens.

Já nos cruzamentos das perguntas por variáveis sócio-demográficas, destacam-se os contrastes observados nos segmentos de faixa etária. A geração 90, com idade entre 16 e 24 anos, condena muito mais o aborto e a gravidez antes do casamento do que a geração 70, que têm entre 35 e 44 anos. No geral, quando o tema é sexualidade, a geração 70 tende a ser mais liberal. Por outro lado, a geração 90 é mais tolerante às drogas e à violência do que qualquer outro estrato. Os jovens de hoje também preferem o diálogo ao conselho, não formalizam suas uniões e estão tendo filhos mais cedo.

Mas nem tudo é conflito. Os brasileiros aprovam o relacionamento que têm com as pessoas de casa, reúnem a família para assistir TV e almoçar nos fins de semana, supervalorizam a fidelidade, costumam falar sobre sexo com seus cônjuges, sobre futebol com os pais, sobre os vizinhos com a mãe e, como não poderia deixar ser, se contradizem em determinados pontos. Apesar de não atribuírem muita importância ao casamento e não considerarem o fato de ter filhos fundamental para a felicidade de um casal, a grande maioria quer viver tais experiências.