Usuário da cracolândia é homem, tem baixa escolaridade, vive de bicos e mora sozinho nas ruas e praças

DE SÃO PAULO

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Nos últimos cinco anos, pouca coisa mudou no perfil do usuário de crack do centro de São Paulo: a maioria é preta ou parda, com escolaridade fundamental, faz parte da PEA (População Economicamente Ativa) mas sobrevive de bicos, vive sozinha em locais públicos e começou a usar a droga aos 22 anos, em média. Em janeiro de 2012, o Datafolha saiu às ruas ouvir esses usuários após ação da Polícia Militar na área conhecida como cracolândia. Agora, após nova ação da Prefeitura em parceria com o Governo do Estado de São Paulo para acabar com a mesma cracolândia, o repertório de questões aos usuários foi ampliado para abranger a opinião dessas pessoas sobre temas como internação forçada e motivações para o início no uso do crack.

A pesquisa atual foi realizada nos distritos da Sé, Santa Cecília, Liberdade e República, em locais com concentração de usuários. A confirmação sobre o uso de crack foi pré-condição para a abordagem completo do questionário. Oito equipes de três pessoas realizaram o trabalho entre os dias 2 e 3 de junho, quase duas semanas após o início da para acabar com a "cracolândia", na região da Estação da Luz, que aconteceu em 21 de maio. Foram ouvidos 245 usuários, o que confere à amostra uma margem de erro de 6 pontos percentuais para mais ou para menos. Na pesquisa de 2012, a região pesquisada também foi o centro de São Paulo, mas em pontos de concentração diferentes, e foram ouvidos 188 usuários.

A ampla maioria dos usuários de crack da região central da capital segue composta por homens, 91% (era 84%). A idade média dos usuários alcançou 36 anos (era 33), sendo que 12% têm de 16 a 24 anos (era 18%), 70%, têm de 25 a 44 anos (era 73%), e 18%, 45 anos ou mais (era 9%).Seguiu baixo o nível de instrução dos usuários abordados, 56% estudaram até o ensino Fundamental (era 64%), 36% até o ensino Médio (era 30%) e 9% até o ensino Superior (era 6%).

Três em cada quatro (76%) fazem parte da PEA (era 71% em 2012), com destaque para os entrevistados que fazem bico, 57% (era 45%) e que estão desempregados, 14% (era 11%), da parcela de entrevistados que não faz parte da PEA (24% - era 29%), destaque-se os que estão sem emprego, 18% (era 27%).

Metade dos usuários (48%) se auto classificou como pardo (era 44%), 20% como pretos (era 22%), 19% como brancos (era 22%), 4% como indígenas (era 2%) e 1% amarelo (era 2%), entre outras respostas menos citadas.

No período, a participação de evangélicos pentecostais cresceu de 23% para 35%, superando a parcela de católicos, que recuou de 34% para 24%. Enquanto as demais religiões ficaram com índices estáveis, sem religião alcançaram 21% (era 27%) e ateus 2% (mesmo índice anterior).

O índice de solteiros entre os usuários de crack no centro de São Paulo alcançou 62% (mesmo índice de 2012), 18% são casados (era 19%), 18% são separados (mesma taxa anterior) e 3% são viúvos(as) (era 1%). Dos que não são casados, 11% declararam ter namorado(a) (era 18%) e 15%, que o(a) parceiro(a) também é usuário de crack (era 19%).

Seis em cada dez (59%) usuários tem filhos, ante 41% que não têm - em 2012, a taxa de usuários com filhos era mais alta (70%). Em média os usuários têm três filhos, sendo que 21% têm um filho (era 26%), 14% têm dois filhos (era 17%) e 25% três ou mais filhos (era 26%).

A maioria declarou (71%) morar sozinho (mesmo índice anterior). Da parcela que moram outras pessoas (29% - mesmo índice anterior), 10% moram com algum parente e 18% moram com pessoas de fora da família. Desses usuários, 7% moram com mais uma pessoa (era 12%), 10%, com duas a quatro pessoas (era 5%) e 11%, com cinco ou mais pessoas (era 10%).

O local de moradia mais comum segue sendo as ruas e praças da região, com 80% de menções (era 77%). Uma parcela de 7% declarou morar em casa ou apartamento (era 9%), 7% em pensão ou hotel (era 4%), 4% em albergue (era 1%) e 2% em áreas ocupadas (mesma taxa anterior). Em média os usuários que moram nas ruas e praças, moram nestes locais há cinco anos (mesma média de 2012). Desses, 14% estão nas ruas há menos de um ano (era 15%), 41% a mais de um a dez anos (era 42%) e 22% há mais de dez anos (era 20%). A maioria dos entrevistados (58%) já morou na Cracolândia, enquanto 42% nunca moraram no local.

Metade dos usuários (55%) nasceu no Estado de São Paulo (era 61%) - desses, 38% nasceram na capital (era 36%) e 17% nas demais cidades do Estado (era 25%) -, 44% nos demais Estados do país (era 39%) - desses, 10% nasceram na Bahia, 6% no Paraná, 4%, cada um, no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco, entre outros Estados menos citados - e 1% nasceu no exterior.

Em média, os usuários estão há 16 anos na capital (era 12 anos), sendo que 7% estão há menos de um ano (era 11%), 24% de mais de um a 10 anos (era 22%) e 30% há mais de 10 anos (era 28%).

Curiosidade foi a principal razão para começar a usar crack; 46% usam droga há mais de 10 anos

Três em cada dez usuários (30%) declararam, espontaneamente, terem começado a usar crack por curiosidade. Outros motivos lembrados pelos usuários foram: por influência de amigos (18%), por conflitos familiares (16%), por perda de pessoas queridas por separação ou morte (15%), por consequência do uso de outras drogas (12%) e por problemas financeiros (7%), entre outras respostas menos citadas. Uma parcela de 7% não lembrou das razões para começar a usar o crack.

O tempo médio de uso de crack ficou em 12 anos. Uma parcela de 7% declarou usar a droga há um ano (era 9%), 22% de um a cinco anos (era 28%), 22% de seis a dez anos (era 28%) e 46% há mais de 10 anos (era 35%). Apenas 2% não souberam dizer a quanto tempo usam crack. Na comparação com a pesquisa anterior, de janeiro de 2012, observa-se que o tempo médio que os usuários usam crack subiu um pouco (era 9 anos).

Em média, os usuários começaram a fazer uso do crack com 22 anos de idade (mesma média observada em 2012). Uma parcela de 4% declarou ter começado até os 10 anos de idade (era 6%), 52%, entre os 11 e 20 anos (era 46%) e 40%, depois dos 20 anos (era 44%).

O consumo médio diário de crack ficou em 11 pedras - média próxima ao observada em 2012 (9 pedras por dia). Seis em cada dez (62%) declararam usar até 10 pedras por dia (era 64%), 16%, de 11 a 20 pedras (mesmo índice anterior) e 12%, mais de 20 pedras por dia (era 5%). Uma parcela de 10% não sabe quantas pedras fuma por dia (era 12%).

O gasto médio por dia com o consumo de crack ficou em R$ 89 - valor próximo ao observado em 2012 (R$ 87) - uma parcela significativa dos usuários (23%) declarou gastar mais de R$ 100 por dia (era 20%).

A maioria dos usuários (61% - mesmo índice de 2012) declararam trabalhar informalmente através de bicos, já, 39% não trabalham. Um quarto dos usuários (21%) declarou espontaneamente ser vendedor ambulante, 13% catadores de latinha, 12% são profissionais manuais não qualificados (eletricistas, encanador, pedreiro, pintor, serralheiro e etc), 8% carregadores, 7% ajudantes em geral, e entre outras profissões menos citadas. Uma parcela de 2% declarou não ter uma profissão. Em média, estão nessa profissão há cinco anos (era 7 anos em 2012).

Os ganhos obtidos com os bicos renderam uma média diária de R$ 31,1 (era R$ 30 em 2012), sendo que 7% conseguem até R$ 20, 22%, mais de R$ 20 a R$ 50, 10%, mais de R$ 50 a R$ 100, e 22%, mais de R$ 100.

Da parcela de usuários que estão desempregados (33%), 19% estão há um ano sem emprego, 18% há mais de um a dois anos, 33% há mais de dois anos a cinco anos e 28% há mais de cinco anos. Em média, os usuários desempregados estão nesta situação há cinco anos.

O número médio de refeições feitas no dia anterior da pesquisa foi de duas refeições. Um quarto (27%) declarou ter feito apenas uma refeição ao longo do dia (mesmo índice de 2012), 12%, duas refeições (era 16%), 18%, três refeições (era 14%), 22%, quatro ou mais refeições (era 23%) e 19%, não fez nenhuma refeição no dia anterior (era 17%).

64% já buscaram tratamento contra crack, e 65% pretendem nova ajuda

Dois em cada três (64%) dos usuários de crack já buscaram tratamento para deixar o crack, índice acima do registrado com um grupo de 188 usuários de crack em 2012 (54%). Entre os usuários mais recentes, que usam crack há três anos ou menos, o índice dos que já buscaram tratamento é menor (47%).

Daqui para frente, 65% pretendem buscar um novo tratamento para abandonar o crack (em patamar similar ao verificado em 2012, quando 69% declaravam disposição para buscar saída pra o crack).

Uma parcela de 11% dos usuários já recebeu oferta de emprego de órgãos do governo ou instituições que trabalham com dependentes de crack, e 6% aceitaram essa oferta.

Além do crack, 65% revelam usar outros tipos de droga, sendo a maconha (46%) e a cocaína (33%) as outras substâncias mais frequentes. O álcool aparece na sequencia (19%), e também foram indicados cigarro (11%), cola (5%), lança-perfume (4%), oxi (4%) e esctasy (3%), entre outros menos citados. Em 2012, maconha (43%), cocaína (30%) e álcool (15%) também apareciam como drogas mais utilizadas pelos dependentes.

Consultados diretamente sobre o uso de bebida alcóolica, 65% disseram ingerir com frequência, sendo que 42% bebem álcool diariamente. Os demais bebem de 4 a 6 dias por semana (5%), de 2 a 3 dias por semana (10%) ou um dia por semana ou menos (7%). Os índices são similares ou próximos dos verificados há cinco anos, quando 68% costumavam consumir bebida alcóolica, sendo que 53% diziam beber todos os dias.

Maioria reprova maneira como foi realizada ação na cracolândia

Apenas 12% dos usuários votaram na eleição para prefeito no ano passado, e João Doria (PSDB) foi apontado como o escolhido por 4% deles. Os nomes de Celso Russomanno (PRB) e Marta (PMDB) foram mencionados por 1%, e os demais não atingiram esse patamar.

Metade (53%) estava na cracolândia, na região da estação da Luz, durante a desocupação que aconteceu há cerca de 15 dias. Pelo que souberam ou ouviram falar, 54% responderam que o prefeito João Doria foi o principal responsável pela ação, e o governador Geraldo Alckmin (PSDB) foi apontado por outros 15%. Há ainda 16% que avaliam que ambos foram os responsáveis pela ação no local, e 14% que não opinaram. Os paulistanos, em sua maioria (60%), também atribuíram a ação ao prefeito João Doria, enquanto Alckmin foi visto por 9% como principal responsável.

A maioria (71%) dos usuários reprova a atuação de Doria na cracolândia, e os demais aprovam (19%) ou a consideram regular (11%). A população da capital também foi ouvida sobre o assunto, e 48% aprovou o desempenho do prefeito na ocasião.

Sobre Alckmin, 60% dos usuários reprovam sua atuação na ação na cracolândia, 18% aprovam, e para 22% foi regular. Entre os paulistanos, 29% aprovaram o desempenho do tucano, e os demais reprovaram (33%), avaliam como regular (30%) ou não opinaram (8%).
A maioria dos usuários ouvidos (73%) também declara ser contra a maneira como foi realizada a ação para acabar com a cracolândia. São a favor 16%, e 1% não opinou. Os paulistanos, por sua vez, aprovaram (59%) a ação.

Para 80% dos dependentes consultados, houve violência contra os usuários de crack durante a ação para acabar com a cracolândia. Uma parcela de 9% considera não ter havido violência, e 11% não opinaram. Entre os moradores da capital ouvidos na semana passada, 53% viram violência contra os usuários, e 37% acreditam que não houve uso de violência.

Consultados sobre o uso de força contra os usuários de crack, 70% afirmaram que foi usada mais força do que o necessário na ação na região da Estação da Luz, e 14% avaliam que o uso de força foi feio na medida certa. Para 6%, a força foi menor do que a necessária, e 10% não opinaram. A opinião de cerca de metade da população, para a mesma questão, é que houve uso de força na medida certa (47%), e 34% avaliam que houve excesso do uso de força na ação.

Para três em cada quatro usuários (77%), um adulto dependente de crack não deve ser internado para tratar seu vício contra sua vontade. Defendem essa internação 22%, e 2% não opinaram. Entre os que usam crack há até três anos, 29% concordam com a internação forçada, índice que fica em 22% entre aqueles que usam crack entre três e dez anos, e em 18% na parcela que usa há mais dez anos. Em contraste, a maioria (80%) dos paulistanos, de forma geral, é a favor da internação forçada dos dependentes de crack.

11% já foram internados contra a vontade

Já foram internados contra sua vontade para tratar do vício em crack 11% dos usuários ouvidos. Entre os que já buscaram tratamento, 15% declaram ter sido internados de forma forçada. No grupo que nunca buscou tratamento, o índice fica em 4%. Os pais foram os mais citados quando os usuários foram questionados quem agiu para interná-los contra sua vontade, mas a base de respondentes reduzida não permite uma análise consistente dessa informação.

A abordagem policial é comum entre os usuários: 85% disseram já terem sido abordados por policiais, sendo que 72% sofreram abordagem no último mês. A intervenção de assistentes sociais ou pessoas ligadas a projetos sociais foi relatada por 53%, sendo que 38% foram abordados por esse tipo de profissional no último mês. Os dados são similares aos verificados quando consultados sobre a abordagem de assistentes sociais da prefeitura ou governo: 47% já tiveram encontros com esses profissionais, 36% deles no último mês.

Para 81% dos usuários, não é possível acabar com o tráfico e o uso de crack na cidade de São Paulo. A mesma questão foi colocada diante dos paulistanos, e metade (49%) tem a mesma opinião que os usuários e acreditam que não é possível acabar com o crack na capital paulista.

Os usuários se dividem a respeito de quem é o principal responsável pelo problema do crack na cidade: Governo Federal (17%), os próprios usuários (15%), o Governo do Estado (14%), os traficantes (11%), a sociedade de forma geral, incluindo os próprios usuários (8%), todos os governos (6%), a prefeitura (4%), e a polícia, de forma geral (4%), entre outros menos citados. Uma parcela de 14% preferiu não responder. A população de São Paulo culpa, principalmente, os traficantes (29%) e os usuários (22%) pelos problemas com o crack na cidade.

Uma parcela de 62% dos usuários avalia que a situação enfrentada por pessoas como ele é mais um problema de saúde pública do que de segurança pública, e os demais avaliam que seja um problema mais de segurança do que de saúde (20%) ou não responderam (18%).

Metade (48%) deles declara espontaneamente não ter para onde ir se houver uma ação policial para acabar com o crack como houve na cracolândia. Uma parcela de 17% diz que voltaria pra casa, a própria ou de parentes, 10% iriam para outro lugar onde se concentram usuários de crack, 8% iriam para seu local de origem, em outro Estado ou cidade, 4% ficariam no mesmo local, e 4% iriam procurar tratamento ou internação, entre outras respostas menos frequentes.